É natural que procuremos atribuir alguma culpa pelo nosso mal estar, afinal, a experiência mostra que toda escolha tem consequências. Nada mais lógico do que isso.
Mas será que temos culpa pelo nosso sofrimento? E pelas nossas vontades, aspirações? Muitos psicólogos irão responder que não devemos nos culpar, e sim nos responsabilizar por realizar escolhas diferentes, escolhas melhores, alinhadas aos nossos desejos. Pois muito bem, isso pode ajudar a realizar algumas decisões concretas, mas e quando você tenta fazer tudo direitinho e ainda assim algo não se resolve? Quando ainda assim há sofrimento?
A psicanálise lacaniana pode iluminar nossos passos nessa difícil discussão sobre culpa e responsabilidade. E aqui, precisamos entender o papel da linguagem no sofrimento psíquico e sua causalidade.
Conforme o pensamento que Lacan desenvolve desde o início de sua brilhante produção, somos determinados por algo externo à nós: a palavra que circula no campo da linguagem. Coisas que ouvimos, coisas que pensamos, pequenos restos de falatórios insignificantes, tudo isso se mistura e tem efeitos psíquicos, independentemente da origem. Inclusive, origem é sempre algo difícil de determinar quando se trata da linguagem: da onde vieram meus pensamentos, senão emprestados dos pensamentos de alguém? Nós construímos a fala de modo coletivo, e isso se reflete no mal estar de cada pessoa.
Tal qual uma herança genética, algo se transmite à nossa revelia, de modo que é impossível responsabilizar o sujeito por uma manifestação inconsciente que mais o habita do que lhe pertence. Faz parte da ética clínica do psicanalista, portanto, não atribuir nem culpa e nem responsabilidade sobre a formação sintomática de um indivíduo.
Mas, a boa notícia é que, diferentemente da causalidade biológica do trabalho com borboletas, a linguagem é cheia de ambiguidades, mudanças de sentido, paradoxos, metáforas… e isso torna possível operar sobre a palavra e seus significados, produzindo novos sentidos e novos horizontes.